O Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) é uma memória de longuíssima duração formada por memórias autobiográficas e de procedimentos, gerando neurônios estepes, potencializada pelo fenômeno do Kindling (reacionamento constante da memória) e pela presença excessiva de noradrenalina, cortisol e dopamina. O trauma é criado a partir de circuitarias corticais e subcorticais e necessita de aproximações nessas duas circuitarias para a sua dessensibilização.
Durante um trauma a amígdala é infestada por noradrenalina com a função do acionamento de luta ou fuga, e a cada acionamento de gatilho traumático esse fenômeno se repete. Com isto, os organismos traumatizados se tornam hiperpredispostos a cessar memórias negativas e acionar as memórias traumáticas a qualquer sinal. A noradrenalina é o principal hormônio envolvido na produção de memórias de longo prazo.
Além disto, quando acionada de forma repetitiva a amígdala induz outra parte do cérebro, envolvida na consolidação da memória (o hipocampo), a produzir mais neurônios. A ideia é que os novos neurônios funcionem como “estepes” para uma informação importante, registrando parte do que poderia ter “escapado” a outro neurônio. Como se o corpo estivesse reforçando uma informação vital, isto ainda se aprimora pelo conceito de Kindling, que reforça esta memória no hipocampo.
O QUE É UM TRAUMA OU TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO
Para o DSM IV(data), a característica essencial do TEPT é o desenvolvimento de sintomas característicos após a exposição a um extremo estressor traumático, envolvendo a experiência pessoal direta de um evento real ou ameaçador que envolve morte, sério ferimento ou outra ameaça à própria integridade física; ter testemunhado um evento que envolve morte, ferimentos ou ameaça à integridade física de outra pessoa ou o conhecimento sobre morte violenta ou inesperada, ferimento sério ou ameaça de morte ou ferimento experimentado por um membro da família ou outra pessoa em estreita associação com o indivíduo.
O que é um trauma
Trauma em grego significa ferida. Scaer (2001) introduziu um novo conceito, o conceito de barreiras. As pessoas a partir de suas experiências da vida passam a criar barreiras e limites de proteção e segurança. Um trauma é uma situação que rompe essas barreiras e limites, que faz com que a pessoa se paralise no tempo e no espaço. Excede todos os limites de segurança e suporte.
Os sintomas do TEPT formam um processo em espiral que aciona os mecanismos biológicos mais primitivos que fazem parte da nossa herança evolutiva. As reações do organismo para sobreviver a uma ameaça, são de engajamento social, fuga, luta ou congelamento. Quando as respostas de fuga, de luta e de engajamentos sociais são impedidas, a imagem do evento fica congelada, criando uma grande confusão nas pessoas, impedido-as de terem uma vida normal.
Os sintomas traumáticos não são causados pelo acontecimento desencadeador em si. Eles originam-sedo resíduo congelado de energia que não foi resolvido e descarregado, esse resíduo permanece preso no sistema nervoso podendo causar danos corporais e emocionais.
Os mamíferos parecem equipados com mecanismos de armazenamento de memória que modulam a força de sua consolidação de acordo com a quantidade de estimulação e de neuros hormônios acionados durante uma situação, quanto maior a excitação e a quantidade deles, maior será a consolidação da memória. Essa consolidação de memória tem função de sobrevivência e ajuda o organismo a avaliar a importância da entrada sensorial e subsequentemente a acionar ou não respostas de emergência.
Trauma e Memória
O trauma é uma memória de longuíssima duração que não se apaga com o tempo. A memória com relação à dimensão temporal pode ser dividida em memória de curtíssimo prazo, memória de curto prazo, memória de longo prazo e memória de longuíssimo prazo. A memória de curtíssimo prazo é responsável pelo armazenamento muito rápido (na ordem de alguns milissegundos), geralmente com uma representação auditiva ou visual. A informação na memória de curto prazo é mais duradoura (na ordem de minutos), permitindo a realização de trabalho mais elaborado sobre a informação inicialmente codificada. A memória operacional é um tipo de memória de curto prazo que dá condição para a manipulação de informações armazenadas de forma consciente. A memória de longo prazo está relacionada com informações que foram consolidadas e armazenadas por um período de tempo bem mais longo (na ordem de dias e meses). Essas informações são consolidadas dentro de uma janela de tempo e armazenadas nos córtices de associação de acordo com as suas propriedades e modalidades.
Finalmente, memória de longuíssimo prazo pode ficar armazenada por um período de tempo quase que ilimitado. São informações que foram consolidadas e podem ficar armazenadas por praticamente toda uma vida.
Trauma e Dissociação
Durante a dissociação o indivíduo experimenta distorções de memória, afeto, percepção ou senso de identidade. É comum ocorrer durante a dissociação alterações de percepções como: sensações somáticas, tempo, períodos de amnésia, irrealidade e despersonalização. Em estados clínicos mais graves ocorrem sintomas de conversão, estado de fuga e desordem de personalidade múltipla (Desordem dissociativa de identidade).
A dissociação ocorre quando a ansiedade torna-se tão esmagadora que certos aspectos da personalidade se tornam dissociados. As manifestações de dissociação servem para proteger o indivíduo do conflito que produz a ansiedade e do medo.
Traumas e Sintomas psíquicos
Um trauma pode estar na base de algumas patologias, e é a dissociação a causadora destes fenômenos e sintomas psíquicos e somáticos.
Trauma e Dor
A dissociação também pode aparecer como sintomas somáticos e dor. A dor serve para abafar a ansiedade esmagadora do trauma. Ela está geralmente associada a parte ou região machucada do corpo, especialmente a uma das extremidades ligadas ao evento traumático sendo que anormalidades também podem aparecer na postura. Na dor crônica causada por traumas, vemos que a postura inconsciente do paciente não reflete tão somente a dor, mas também a experiência do evento traumático que a produziu.
Traumas e TOC
A dissociação também pode aparecer como rituais e comportamento obsessivos, isto é, as pessoas começam a planejar rigidamente cada hora de seu dia e a ter uma organização metódica em suas vidas, a fim de evitar a intrusão da ansiedade do TEPT.
Traumas e TDAH
A dissociação pode provocar uma série de problemas nas funções de processamento cognitivo e mental. Ela provoca uma disfunção na atenção concentrada, as pessoas perdem a habilidade em acessar novas informações, negligenciam e ignoram detalhes importantes das informações. Os sintomas parecem com o TDAH, pois afetam a memória de curto prazo e a atenção. Adultos vítimas de trauma têm sido recentemente diagnosticados como tendo Distúrbio de Déficit de Atenção adulto (DDA), mas gerados por efeitos da dissociação.
Traumas e Pânico
Os estudos atuais de neurofisiologia mostram que amígdala do hipocampo tem uma função “emocional”, agem independentemente do neocórtex. Eles pressupõem: que algumas reações emocionais e memórias podem ser formadas sem a participação da consciência cognitiva do neocórtex. Quando as pessoas estão sob forte estresse secretam hormônios endógenos de estresse que reforçam a consolidação da memória traumática e que a secreção massiva de neuro-hormônios, no momento do trauma, desempenha um papel na potencialização das memórias traumáticas que podem reaparecer ao longo da vida. Este passado, carregado de forte teor emocional, tem uma influência nas memórias impressas em controlar nosso funcionamento presente e nossas relações atuais, nos tornando mal adaptados Os sintomas de TEPT aparecem ao longo da vida sob a forma de pânico, embora não consigamos fazer nenhuma relação com a cena traumática em função da dissociação.
Trauma e Histeria de conversão
A conversão é considerada uma proteção contra níveis intoleráveis de ansiedade ou medo. A ansiedade é “convertida” em sintomas nos órgãos ou outras partes do corpo que geralmente se apresentam como sintomas neurológicos sensoriais ou motores.
Esses sintomas representam o conflito mental, gerando ansiedade. A conversão de uma ansiedade intolerável em sintoma físico traz grande alívio emocional, por isto as pessoas demonstram não se importar com a condição física incapacitadora. A paralisia histérica aparece de forma sistemática em soldados afetados por “traumas de guerra” ou “fadiga de batalha”.
A paraplegia histérica é comumente encontrada em vítimas de abuso sexual na infância, sendo uma forma de proteção contra uma exposição maior à fonte do trauma.
A reação de conversão, então, é um exemplo de dissociação somática em resposta a uma reação ao trauma. O paciente com reação de conversão tem um trauma no passado, que associado com um novo trauma no presente precipita o sintoma de conversão. Frequentemente os clientes com conversão tem um histórico de abuso severo na infância.
Traumas e Doenças físicas
Muitas das doenças de causas desconhecidas estão ligadas diretamente ao estresse traumático. As síndromes de espasmos musculares suaves ou a ulceração do sistema gastrointestinal estão associadas com exposição ao estresse crônico na maioria dos casos. Um trauma pode causar cardioespasmo no esôfago, refluxo gastroesofágico, úlcera péptica, colite ulcerativa e síndrome do intestino irritável.
A cistite está associada com úlceras dolorosas na bexiga e sintomas de desernegia motora da bexiga, também de causa desconhecida. Enxaqueca clássica é claro, é um exemplo prototípico de manifestações vasculares de desregulação cíclica autônoma e tem sido ligada a trauma do passado.
Além disso, muitas doenças crônicas têm a sua origem em um trauma. O câncer e doenças do coração estão associados às estatísticas de TEPT. O trauma é acumulativo e pode contribuir para o desenvolvimento de doenças crônicas seletivas.
CONCLUSÃO
Conhecer a função e saber quais são as regiões do sistema nervoso relacionadas a ela contribui muito para os raciocínios clínicos e diagnósticos do profissional com vistas ao prognóstico e à abordagem terapêutica. Podemos usar deste entendimento de localização funcional para ampliar a capacidade de um diagnóstico clínico e escolher as abordagens que melhor se adequam ao cliente.
Na abordagem terapêutica do TEPT, esses conhecimentos são fundamentais, pois um trauma é criado a partir de memórias declarativas e procedimentais, e um psicoterapeuta que quer atuar nessa área deverá saber lidar com estes novos paradigmas. Entender a hiperatividade autonômica que ocorre em um trauma, os processos e circuitarias de memória que o produzem, o que é neurobiologicamente uma dissociação é bastante relevante para um psicoterapeuta atual.