
Vivemos em uma era marcada por paradoxos: nunca tivemos tantos recursos, tecnologia e liberdade, e ainda assim enfrentamos uma crescente epidemia de angústia, ansiedade e vazio existencial. O filósofo Friedrich Nietzsche, ainda no século XIX, antecipou esse cenário ao diagnosticar a morte de Deus como o início de uma era de niilismo — ou seja, a perda de sentido, de fundamentos morais absolutos e da confiança em verdades eternas.
Contudo, embora Nietzsche tenha sido certeiro em seu diagnóstico, sua proposta de superação pode não ser a mais viável — especialmente diante da fragilidade humana, que clama por raízes, vínculos e transcendência.
O niilismo: previsão precisa de Nietzsche
Nietzsche identificou três grandes consequências da crise de valores provocada pela modernidade:
- A ciência e o racionalismo minaram a autoridade da religião tradicional;
- Os antigos absolutos (Deus, moral cristã, família, tradição) foram colocados em xeque;
- Como resultado, emergiu uma sensação generalizada de desorientação, tédio existencial e sofrimento psíquico.
E basta observar a realidade atual: aumento nos índices de depressão, suicídio entre jovens, vazio existencial e a tentativa de preencher tudo isso com consumo, prazer e distrações. Isso é o niilismo em sua forma prática.
A proposta de Nietzsche: criar novos valores
Nietzsche propôs que o ser humano deveria abandonar os valores herdados e, por meio de um ato de força interior, tornar-se criador de novos sentidos. Surge então a figura do Übermensch — o além-do-homem — como símbolo da superação do niilismo.
Mas essa proposta, embora intelectualmente poderosa, esbarra em uma dificuldade concreta: nem todos conseguem, ou desejam, ser criadores de sentido em um mundo sem referências. Para muitos, isso conduz não à liberdade, mas ao desamparo.
A alternativa: reconstruir com raízes, não do zero
Há uma linha de pensamento contemporânea — filosófica, psicológica e espiritual — que propõe outro caminho: não a ruptura com o passado, mas sua renovação crítica e consciente. Autores como Viktor Frankl, C.S. Lewis e J.R.R. Tolkien sugerem que é possível resgatar valores como fé, comunidade, família, coragem e esperança como fontes de sentido e saúde interior.
- Frankl mostrou que a busca por sentido é central na saúde psíquica.
- Lewis, ex-ateu, reencontrou a razão e o afeto na fé cristã.
- Tolkien poetizou a luta do bem contra o mal com raízes espirituais profundas.
A resposta de São Tomás de Aquino: o sentido como finalidade objetiva
Muito antes de Nietzsche, São Tomás de Aquino já afirmava que a vida humana tem uma finalidade objetiva: a união com Deus. Para ele:
- Todo ser age por um fim.
- O fim último do ser humano é o bem supremo: Deus.
- A moral tem base racional e espiritual: a Lei Natural, impressa no coração humano, orienta para o bem.
Essa visão confere ao ser humano dignidade, orientação e plenitude — e é um poderoso antídoto ao niilismo moderno.
Fé, família, comunidade: fatores protetores
Tanto a filosofia quanto a psicologia contemporânea reconhecem:
- A fé e a espiritualidade favorecem resiliência, empatia e esperança.
- A família saudável promove identidade, segurança e afeto.
- A comunidade oferece pertencimento e acolhimento.
Esses pilares, quando bem estruturados, são fatores protetores contra o colapso existencial.
Conclusão: Nietzsche acertou no alerta, mas não na resposta
A crise de sentido que Nietzsche anunciou é real. Mas sua proposta de solução — criar novos valores do nada — pode ser impraticável para a maioria das pessoas. Talvez a resposta esteja em uma síntese consciente: recuperar o essencial do passado (fé, moral, família, comunidade) à luz da liberdade e da razão modernas.
Referências
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- AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2001.
- FRANKL, Viktor E. Em Busca de Sentido. Petrópolis: Vozes, 2011.
- KOENIG, Harold G. Religion, Spirituality, and Health: The Research and Clinical Implications. ISRN Psychiatry, 2012.
- LEWIS, C. S. Cristianismo Puro e Simples. São Paulo: Thomas Nelson Brasil, 2009.
- NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
- NIETZSCHE, Friedrich. Assim Falou Zaratustra. São Paulo: Martin Claret, 2000.
- PARGAMENT, Kenneth I. Spiritually Integrated Psychotherapy. Guilford Press, 2007.
- TOLKIEN, J. R. R. O Senhor dos Anéis. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
Creditos: